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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O que faz de Cataguases, Cataguases

Praça Santa Rita - Cataguases/MG
Esta semana, Carlos Moura lembrou de seu sobrinho Roberto, num comentário em que falava do novo DVD de Dona Ivone Lara. Remexendo emails antigos, achei a crônica abaixo, escrita em 2005 pelo mesmo Roberto, em que fala da abertura do Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa, o Cineport, realizado em Cataguases no mesmo ano.
Nem preciso dizer que vale muito à pena relembrar...


O que faz de Cataguases, Cataguases - Roberto Moura

Em pé, na terceira fila dos espectadores do balé que abriu
e encerrou o I Cineport, em Cataguases, na semana passada,
olhando aqueles jovens que transformavam o gesto e o movimento
em arte e risco (e quem não temeu por aquelas evoluções
próximas à torre da Igreja de Santa Rita?), só uma questão
se me afigurava inarredável: que mistério explica essa vocação
artística e cultural de uma cidade na Zona da Mata mineira,
ao pé do Rio Pomba?
 
Era domingo à noite. Por que aquelas mais de mil pessoas
amontoavam-se na velha praça enfeitada pelo mural de Djanira
para se emocionarem com o balé mantido pela Fundação Ormeo
Botelho, a mesma que produziu o festival afro-luso-brasileiro
de cinema? Em centros muito maiores, o povo está, no mesmo
horário, acabando o domingo diante do Fantástico. O que faz,
enfim, de Cataguases, Cataguases?
 
Ando pela praça. Cruzo com o indomável Paulo César Saraceni.
Mais cedo, na feirinha, já encontrara Nelson Pereira dos Santos.
Na festa de encerramento, o congraçamento, com Tarcísio Vidigal,
Jom Tob Azulay. Depois, o encontro com os filhos da terra, os
que estão lá, como o poeta Ronaldo Werneck e o publicitário
Antonio Jaime Soares, e os que a ela tornam sempre, como Carlos
Torres Moura, ator do cult O anunciador - o homem das tormentas
(todo rodado lá), e o jornalista Acir Vidal. Nas andanças, a
alegria de perceber o prazer com que voltejam em volta da praça
os convidados portugueses e africanos de várias culturas. Nos
bastidores, conta-se que os angolanos aproveitaram a viagem
para tratarem dos dentes com os odontólogos do lugar, mas o
resultado do I Cineport informa que eles vieram mesmo foi
para ganhar o festival, com Na cidade vazia, de Maria João
Ganga.
 
Filho de miraiense cuja família migrou quase toda para
Cataguases, agrada-me fazer parte indiretamente dessa terra
abençoada. Também a ela volto sempre - e com um prazer que só
não é maior que a emoção. Junto com a Praça Onze, aquele povo
em torno do Meia Pataca ocupa minhas mais diletas lembranças
- e gosto de saber que não estou sozinho nisso. Sim, para
cada cataguasense (e sou quaseguasense), é como se Humberto
Mauro, o pessoal da revista Verde, a Eva Nil, o Rosário
Fusco, Lúcio Alves, o pessoal da poesia-concreta, a minha
rapaziada do Cineclube Serguei Eisenstein, a Maria Alcina,
e os mais novos que chegam, o Luiz Ruffato e o Ronaldo
Caggiano, fossem da família. Sem contar os que construíram
por outras vias laços  indeléveis com o lugar - e aí podemos
citar de Ary Barroso a Villas-Bôas Corrêa, de Patápio Silva
a Dori Caymmi e Chico Buarque.
 
Família grande a que se juntam agora esses rapazes e moças do
balé e a Mônica Botelho, desvairada o bastante para acreditar
na cachoeira do cinema que começa em Mauro.
  
PUBLICADO NA COLUNA DO ROBERTO MOURA NA TRIBUNA DA IMPRENSA 

Um comentário:

  1. Flávio, meu querido, que coisa boa de se ler, principalmente para quem, como eu, estou "a léguas de distância"! Saudades da "minha" terra, cataguasense que sou por adoção, porque na verdade nasci em Boa Família (é, este lugar existe!),vim parar na capital do Estado do Paraná. De vez em quando preciso voltar e rever as montanhas, o Rio Pomba, a "ponte velha", a Praça Rui Barbosa, onde a gente fazia o "footing" dominical, a Santa Rita, do tempo que frequentávamos missa aos domingos (a dona Sinhá exigia!), o Cine Edgard, onde encenamos, uma única noite, "O Mestre", e as ruas da cidade e a nossa casa, que serviram de cenário para várias tomadas do "O Anunciador", o filme "cult" nas palavras do autor! Obrigada por resgatar esta matéria, que me fez tão bem pra alma! Abraços...

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