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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

"Quem muito abarca pouco aperta".










Emily Dickinson & Sandor Márai


Por Carlos Torres Moura


De como blogueiro metido a culto cai do jegue ao desancar a cultura alheia

Para demonstrar que não tem “um” gosto, Dilma vai então do Japão medieval de Bashô à Inglaterra vitoriana. “Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, a senhora de Amherst”.

Este pedaço acima, com o grifo meu, faz parte de um arrozoado escrito por “Celso Arnaldo”, pseudônimo às vezes usado por Augusto Nunes (ele de novo!), em seu blog patrocinado pela veja/abril.

O texto de Arnaldo/Nunes esculhamba com declarações de gostos literários da presidente Dilma Rousseff. Desencavando uma matéria de 26 de dezembro, da folha de s. paulo. Que, por acaso, eu lera e cujo recorte também guardei. E que me impressionara ao vê-la citar, entre outros, João Cabral e Proust.

Nunes “decide” que as preferências literárias de Dilma são uma farsa. Na falta de um bom combate – ele, como muitos, não sabe o que está se passando em Brasília e está roendo ferrugem com a discrição de Dilma - escolheu um ângulo pessoal da presidente para desqualificá-la nos monitores internéticos. Sob os aplausos de seus seguidores que, em sua maioria, de literatura e de escrita mal passaram do maternal.

Só que - como se diz no adagiário brasileiro - “quem muito abarca pouco aperta”.

Caiu do jumento em duas observações. Das quais se retratou, mas ao seu estilo cavalar: grosseiro, raivoso, prepotente e sem a menor cintura no jogo.

Mandei-lhe um comentário curto – e irônico – a propósito de Emily Dickinson:

“Emily Dickinson? Inglaterra vitoriana? Em Massachussets? Até nisso ela escorregou...”

O “ela” é uma referência a Dilma, como se a presidente tivesse feito a errada citação geográfica sobre a grande poetisa americana. Claro que eu sabia que Dilma não dissera isso. Quem escreveu foi Nunes, provando que em matéria de Emily Dickinson só conhece o beabá. Quem já leu um mínimo sobre a mulher que é considerada por muitos a maior poetisa da língua inglesa sabe que ela não nasceu na Inglaterra, mas nos EUA.

Depois do meu grifo nos comentários, Arnaldo/Augusto mudou o parágrafo (sem fazer qualquer menção e sem agradecer à correção, of course, pois finesse não é o seu forte). Horas depois de mim, outra comentarista o corrigiu, discretamente. Habilmente, ele trocou “Inglaterra vitoriana “ por “Nova Inglaterra” , região onde Dickinson viveu. E fez uns acréscimos para enfatizar sua “curtura”, certamente após uma passadinha no Google e na Wikipedia, que nos salvam agora e na hora da nossa morte, amém:

“Para demonstrar que não tem “um” gosto, Dilma vai então do Japão medieval de Bashô à Nova Inglaterra. “Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, a senhora de Amherst”. De novo, a leitora de fachada ou de orelha se trai com epítetos esquisitos – “senhora de Amherst”? Quem se refere assim a “uma mulher chamada” Emily Dickinson é para mostrar que sabe em que lugar dos Estados Unidos a autora nasceu, apenas isso. Gostaria de ouvir Dilma discorrendo sobre a obra de Emily. Bastaria um livro.”

Se não bastasse, comentou que o poeta japonês Bashô não “inventara” o haicai, gênero poético de concisão, cultuado pelo nosso Paulo Leminski. Corrigido por outro comentarista, saiu pela tangente dizendo que Dilma errara ao usar “inventou”, ao invés de “ criou”.

Não sem antes dizer que Dilma “surrupiou” o “navegar é preciso” de Fernando Pessoa. Também corrigida por outro comentarista, já que a expressão vem de Plutarco, narrando em grego uma fala de Pompeu (era só ir no Google outra vez, coitado...).

Pra terminar, eis meu comentário posterior, que claramente o enfezou. Acrescentei uma dose sobre Sandor Márai. Num vídeo citado com sarcasmo de botequim por Arnaldo/Augusto, Dilma esqueceu o nome do livro que tinha acabado de ler. Uma das maiores novelas escritas no século XX. Ponto de novo pra ela.

De "Inglaterra vitoriana" para "Nova Inglaterra" foi uma importante correção, Celso. Embora tivesse tudo para ser inglesa, Emily não era. Equívoco imperdoável entre as pessoas ditas cultas, já que Dickinson não foi uma poetisa qualquer. Quanto ao livro cujo nome Dilma não se lembrou na entrevista, nada demais. Mencionou na bucha o mais difícil - o nome do autor, o húngaro Sandor Márai. O livro foi editado no Brasil com o título adotado em inglês("Ambers"):"As brasas". E a tradução portuguesa preferiu ser mais literal em relação ao original: "As velas ardem até o fim". Deveríamos orgulharmo-nos de uma presidente que tenha se referido a essa novela. Restrito aos meios literários mais sofisticados, Márai escreveu um texto obrigatório, definitivo, absolutamente imperdível. Recomendo-o com prazer a você e a seus leitores, caso não o conheça. (texto meu)

A resposta veio “delicada e culta”, ocultando nitidamente o fato de que ele nunca deve ter passado perto de Márai:

"O mesmo rebanho que achava coisa de elitista constatar que o Lula não leu nem gibi agora se esforça para apresentar como leitora voraz e intelectual de grosso calibre uma farsante que não consegue completar uma frase sem espancar a lógica e o idioma (e atribui ao Ulysses Guimarães o “Navegar é preciso”, entre outros assombros). Recomende algum livro ao doutor de Viçosa, Carlos2. E presenteie a Dilma com poema do J.G. de Araújo Jorge. “

É com essa “literatura” jornalística que continuaremos a navegar por, pelo menos, mais quatro anos.

Não vai faltar diversão, podem crer. Viver nem será preciso.

4 comentários:

  1. Carlos Moura, muito obrigada por continuar "de plantão" lendo e nos repassando as sandices que esses pseudo-jornalistas escrevem sobre a nossa presidenta Dilma. De onde será que vem tanto rancor, tanto veneno destilado? Que se recolham à sua mediocridade, por favor!!

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  2. Meu grande amigo Carlos Moura, você sempre atento, usando toda a sua cultura contra os maus, nos oferece esta belíssima postagem.

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  3. Nossa mídia está perdida... contra Lula já tinham o roteiro, o molde para (tentar) ridicularizá-lo.

    Contra Dilma ainda não entenderam...

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  4. Moura, em primeiro lugar é divertidíssimo ver este senhor irritado quando pego no "contrapé". E tantas vezes num único texto em que seu objetivo era exatamente desqualificar a Presidenta.

    Agora proponho emails ao Roda Viva, programa que embora não seja hoje, sombra do que foi, ainda deve no mínimo preservar sua história. É inacreditável que mantenha entre seus entrevistadores fixos, pessoa tão mau educada.

    Abaixo o link do "fale conosco" do site do programa (pra quem quiser expressar sua opinião) e a mensagem que acabo de mandar pra lá.



    http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/fale-conosco



    Sugiro uma breve visita ao blog do senhor Augusto Nunes e pergunto se pessoa tão mau educada merece constar como entrevistador fixo de tão renomado programa.

    http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

    Não vou entrar no mérito de o considerar também um péssimo entrevistador, mas isso seria apenas uma opinião pessoal. O blog citado mostra uma grosseria exacerbada principalmente com os leitores que discordam de suas palavras.

    Lamentável.

    Aguardo resposta!

    Flávio Sereno Cardoso

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