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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

QUE PROTESTO É ESSE?

O texto abaixo é uma resposta ao outro que vem logo depois. Quem quiser ler na sequência correta deve começar de baixo para cima.
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QUE PROTESTO É ESSE?

Enviado por: Viviane Souza Pereira

 

Émile Zola, escreveu o artigo J’accuse (Eu Acuso) como um manifesto de denúncia às arbitrariedades do poder instituído francês em relação ao caso Dreyfus, caso que ficou amplamente conhecido no mundo. O grito de acusação do brilhante escritor francês serviu como denúncia explícita dos mandos e desmandos do Estado Maior Francês e acabou resultando em inúmeros apoios à causa do conhecido caso Dreyfus.
O escritor francês - autor, entre outras, da magnífica obra Germinal, que expõe o sofrimento dos trabalhadores nas minas de carvão - preocupou-se em denunciar toda sorte de manobras levadas a cabo pelo exército francês a fim de garantir a condenação de um militar de origem judia e simples.
Em contrapartida, o artigo homônimo do Profº Igor Pantuzza Wildmann, referindo-se ao fatídico assassinato do Profº Kássio Vinícius Castro Gomes - em uma faculdade de Belo Horizonte - pretensamente, busca denunciar as penúrias do sistema educacional brasileiro e, embora apresente críticas procedentes e exponha situações que notadamente vivenciamos, peca sobremaneira ao tratar a exceção como regra e cair na perigosa generalização.
Sutil, indevida e perigosamente, coloca em questão importantes conquistas da população brasileira, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Política Nacional de Direitos Humanos e a Política Nacional de Assistência Social e o novo formato pedagógico-educacional, ainda e sempre, em construção.
Contribui para a histeria inconsequente e improdutiva que retroalimenta o conservadorismo travestido de saudosismos e preocupação com a moral e os bons costumes que, em realidade, sustentam a manutenção da histórica, arraigada e decadente elite nacional em detrimento da grande massa empobrecida e miserável que, somente recentemente começou a experimentar condições mais ou menos decentes para os padrões burgueses de pensamento e de organização da vida.        
Nesse sentido, o texto parece desaguar em um apelo ideológico, moralizante e quase sacro, muito bem elaborado, é fato, mas que se desvirtua em um discurso que representa a perigosa massificação de pensamento, elemento fundamental na manutenção da lógica desumanizante que vivenciamos.
Além disso, incentiva a única espécie de ódio de classe que acredito existir no Brasil: o ódio nutrido pela elite nacional em direção aos pobres e a tudo que eles representam. Sim, o único ódio de classe existente no Brasil, uma vez que os “subalternos”, engolem sua revolta e ao invés de nutrirem rancor pela classe que os domina (fato que poderia desaguar em uma bela revolução consciente pelas mãos dos que são mais numerosos e efetivamente produzem nossa riqueza), na realidade, fazem todos os sacrifícios e almejam se tornarem iguais aos poderosos... iguais em que? Em dominação, em consumo exacerbado, em desmandos, em corrupção, em impunidade, em hipocrisia...
Os pobres são culpados por seu infortúnio, imobilismo ou ignorância? Não! Sua situação é condicionada pelo amplo processo de alienação a que estamos, todos nós, sim, todos nós, submetidos. Submetidos, o que é pior, por uma forma de produção e reprodução da vida que nós mesmos criamos, na mais perfeita lógica da criatura que supera o criador e foge a seu controle.
Ao bradar sua ira contra a lógica imoral, indisciplinada e violenta em que se encontra mergulhada a sociedade sem, no entanto, considerar as causas estruturais deste fenômeno, exposições como a deste artigo somente enfraquecem a reflexão necessária e, em contrapartida, oferecem importante reforço para o aprofundamento do fosso separatista em que vivemos, retomando o discurso moralizante, individualizado e, infelizmente, de apelo social que encontra grande eco em momentos de crise como o atual. Momentos em que o pensamento mais profundo que busca localizar a gênese, a estrutura e a essência dos fatos, é cada vez mais ridicularizado, em nome de reflexões rasas e esparsas e de respostas pragmáticas e imediatistas, bem ao contento dos pós-modernos de plantão e que nada fazem a não ser perpetuar o poder dos que historicamente o detém!
Absurdo! Eu diria que o tom deste grito de acusação não ecoa como um grito desesperado daqueles que se preocupam com inclusão social, direitos humanos, boa educação, mas sim um exemplo do perigo que representam os momentos de comoção nacional diante de situações limite...foi assim no caso Nardoni, do menino João Hélio e outros tantos...qualquer conteúdo e crítica razoável presente no artigo (sim, encontrei alguns) são abafados pela ignorância e irracionalismo de palavras bonitas, mas que quase sempre demonstram pouca ou nenhuma compreensão para além de um olhar de classe dominante, desconhecedor das aflições da população brasileira! E mais, desconhecedor do quanto de luta popular foi e ainda é necessária para assegurar as importantes conquistas de cidadania que relutante e tardiamente começam a ser efetivadas.
Um disparate de críticas metralhadas irresponsavelmente em todas as direções, críticas rasas e, o que é pior, efetuadas com um brilhantismo no uso das palavras que, certamente, envolverá, ou melhor, já envolveu pela breve pesquisa que fiz no google, um número muito grande de desavisados e descuidados na leitura, que assim como todos nós andam preocupados com a situação que vivemos, mas que nem todos devem compactuar com o teor preconceituoso, de classe e, portanto conservador, do artigo do respeitado intelectual, expoente "corajoso" dos "cidadãos de bem" do Brasil!
Acusar a sociedade como um todo, profissionais diversos, políticos, mídia, famílias e, fundamentalmente indivíduos, é fácil! Fácil e leviano. Interessante que ao apontar sua metralhadora, o bem sucedido jurista e professor universitário, se coloca a parte deste processo, como se a sociedade em que vivemos não fosse nada mais que uma construção nossa, por meio das relações sociais que estabelecemos, entre elas o próprio capital, que embora pareça cada vez mais ter vida própria, nada mais é que uma forma de produzir e reproduzir a vida, organizada e orquestrada por nós mesmos...
Será que não se percebe que cada uma das críticas desferidas, algumas até com bastante propriedade, devem ser dirigidas a todos nós, enquanto humanidade, que além de produzirmos, reproduzimos cotidianamente toda essa sorte de tragédias anunciadas?!
Acredito que o brilhantismo no uso das palavras (embora denote uma irresponsabilidade intelectual pela superficialidade das críticas) presente na reflexão do professor em questão, somado à bravata e à crença de representar a voz de tantos, tão conservadores quanto ele ou ignorantes, no sentido de ignorarem, desconhecerem, ofuscou a premissa básica de que não existe o lado do bem e o lado do mal, uma vez que estamos envoltos, ainda que involuntária e alienantemente, em uma estrutura que massacra sim, aqueles que pouco ou nada tem, em prol da acumulação cada vez maior daqueles que vivem exatamente da, a partir da, apesar da e, fundamentalmente, por conta da existência daqueles que criam o valor de fato em nossa sociedade.
Certamente serei acusada de pseudo- intelectual de plantão, parte do grupo que romantiza a “revolta dos oprimidos”. Eu e, ainda bem, tantos outros da mesma estirpe, agradecemos, desde já, o elogio.             
Viviane Souza Pereira, assistente social e professora universitária, também crítica à situação que vivenciamos, mas plenamente ciente de que o caminho da reflexão e da transformação precisa ser outro, bem diferente e mais profundo do que o acusador propõe.

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J’ACUSE !!! (Eu acuso !) DESAGRAVO DO PROF. IGOR AO ASSASSINATO DO PROF. KÁSSIO VINICIUS.


J’ACUSE !!!
(Eu acuso !)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.
(Émile Zola)

Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (…)
(Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que… estudar!).

A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.

O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares.

Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática.

No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando…

E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.”

Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno – cliente…

Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”.

Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal a o autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos”e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual, finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeça – boa” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos -clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia.

Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”.

A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.”

Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.

Igor Pantuzza Wildmann

Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

2 comentários:

  1. Compreensível a revolta do Prof.Igor, levantando várias questões que realmente precisam de uma melhor avaliação, de ajustes a médio prazo, em momentos menos passionais.
    Parabéns tb à Prof. Viviane pela análise sóbria e reflexões equilibradas de quem tb conhece "por dentro" a conjuntura educacional.

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  2. O que sempre me chama atenção nessas assinaturas de artigos é a aposição de uma "toga", um "paramento", uma "qualificação maior" depois do nome. Ao invés de simplesmente "professor universitário", tem-se que acrescentar o "doutor" em alguma coisa. O que impõe aos demais mortais o dever de se considerarem inferiores frente ao figurão do pedestal.
    No mais, Viviane, seu texto é irretocável.Há duas ervas daninhas típicas do brasileiro, que se alastram até entre os acadêmicos: a simplificação e a generalização.
    Indignar-se pelo episódio é mais que humano, mais que correto. Partir para generalizações, como fez o doutor com o uso do estilo do Zola, não foi uma boa trincheira.

    Abraços, Moura

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